
O Fado é um dos grandes cartões de visita de Portugal. Trata-se de um estilo musical muito próprio que evoca a alma portuguesa e que constitui um símbolo mundialmente reconhecido deste país à beira-mar plantado. Usualmente, é cantado por uma única pessoa (fadista) e acompanhado por guitarra clássica (ou viola) e guitarra portuguesa. Reveste-se de formas distintas, dependendo de onde seja cantado: Lisboa, Porto ou Coimbra.
Não se conhece com rigor a origem do Fado, mas supõe-se que terá aparecido na primeira metade do século XIX. A palavra “fado” vem do latim “fatum”, que designa “destino”. Há uma perspectiva ingénua que remete a génese do Fado para os cânticos dos Mouros que ficaram pelo bairro da Mouraria já depois da reconquista cristã, apontando a dolência e a melancolia contidas no Fado como uma herança desses cantos. No entanto, é melhor aceite a versão de que o Fado terá tido o seu começo na extraordinária popularidade da Modinha, nos séculos XVIII e XIX, e na sua síntese popular com outros géneros idênticos, como o Lundum (uma música dos escravos negros do Brasil, que teria sido trazido para Portugal pelos marinheiros, cerca do ano 1822), tendo como resultado a excepcional canção urbana conhecida como Fado. A suportar a hipótese do Lundum está o facto de as primeiras melodias encontrarem ligação ao mar e às terras a que ele conduzia, onde viviam os escravos. Amália Rodrigues, a famosa diva do Fado, entoava «O Barco Negro», que alude, justamente, a uma sanzala.
Outra suposição acerca do surgimento do Fado diz respeito à Idade Média, época dos trovadores e dos jograis. O fundamento assenta nas características das músicas da altura, que o Fado ainda hoje perpetua. Por exemplo, o fado de Lisboa, em muitos dos seus temas, apresenta imensos paralelos com as Cantigas de Amigo, que consistiam nos amores cantados por uma mulher. As Cantigas de Amor, de um homem para uma mulher, assemelham-se ao fado de Coimbra. Paralelamente, e do mesmo período, há as Cantigas de Sátira, ou de Escárnio e Mal Dizer, que encontram ainda no tempo presente, em críticas sociais e políticas, temas frequentes de Fado.
Seja como for, parece certo que o Fado emergiu primeiramente em Lisboa e no Porto, tendo sido posteriormente levado para Coimbra pelos estudantes, onde lhe foram introduzidas mudanças significativas.
Pelo mundo fora, o nome de Portugal traz duas associações imediatas: as touradas e o Fado. Este estreou-se, no Porto e em Lisboa, com versos e ritmos de cariz popular e foi progredindo, tornando-se mais complexo e assumindo a transformação dos tempos. Na primeira metade do século XX, o Fado foi alcançando uma mensurável riqueza melódica e complexidão rítmica, adquirindo um carácter mais literário e mais artístico. Os poemas populares foram sub-rogados por versos elaborados e teve início a audição de décimas, quintilhas, sextilhas, alexandrinos e decassílabos. No decorrer das décadas de 30 e 40 do século passado, o cinema, o teatro e a rádio projectaram o Fado para o grande público, explorando-lhe uma vertente mais comercial. O fadista começou a aparecer como um artista. As vielas e os cantos escondidos deram lugar às luzes da ribalta. Despontaram, então, as Casas de Fado, onde para actuar era preciso deter carteira profissional e um repertório outorgado pela Comissão de Censura, assim como um estilo particular e irrepreensível aparência.
Os assuntos mais comuns no Fado versavam a saudade, a nostalgia, o ciúme, as pequenas histórias do dia-a-dia dos bairros típicos, o sofrimento, o amor, a noite, as sombras, a tragédia, a cidade e as lides de touros. Eram as questões autorizadas pela ditadura de Salazar, que admitia, de igual modo, o Fado trágico, de ciúme e paixão resolvidos de forma violenta, com sangue e arrependimento. Letras que falassem de problemas sociais, políticos ou assemelhados eram proibidas pela Censura.
Actualmente, é uma música do mundo. Tradicionalmente acompanhado à guitarra, existem diversas maneiras de o cantar. Pode ser da Mouraria, corrido, à desgarrada ou dos estudantes de Coimbra.
Em Lisboa e no Porto o Fado é cantado essencialmente na parte mais antiga da cidade, em tabernas ou Casas de Fado, pequenas, antigas, de paredes frias, decoradas com os símbolos daquele formato de canção nessas duas cidades: o xaile negro e a guitarra portuguesa.
Em Lisboa, foi inaugurado nas tabernas e nos pátios dos bairros mais característicos, como Alfama, Castelo, Mouraria, Bairro Alto e Madragoa. A sua etimologia boémia e ordinária, radicada em tabernas e bordéis e em ambientes de orgia e violência, atribuíram ao Fado uma índole condenável aos olhos da Igreja da época. Hoje, o Fado “típico” mantém os traços do antigo: cantar com tristeza, de forma sentida, mágoas passadas e contemporâneas. Pode ainda contar episódios divertidos com contornos irónicos ou prestar-se ao despique entre dois cantores com capacidade de improviso (a desgarrada).
Em Coimbra, a tristeza também se encontra presente, mas com outras motivações. A angústia de não ter as amadas e o desejo de lhes confiar o coração, bem como o desgosto de deixar os melhores anos da juventude, a vida de borga de um estudante, servem de mote aos desabafos dos fadistas (só homens) envergando trajes negros e capas grossas.
Vale a pena ouvir Mariza, vencedora do prémio World Music 2003 da BBC Rádio, Dulce Pontes, que participou com a «Canção do Mar» no filme de Holywood «Primal Fear» (com Richard Gere), Camané, Mafalda Arnauth e tantos outros. E agora… «Silêncio, que se vai cantar o Fado»!